Mato Grosso: celeiro da exploração agroexportadora e da violência capitalista-estatista no campo e nas florestas

Um dos estados com maior concentração de terra no país, Mato Grosso tem usado seu aparelho estatal para proteger e privilegiar o agronegócio, fortalecendo também as práticas de garimpagem, de desmatamento e de envenenamento de rios, florestas, animais e seres humanos. A história do estado é marcada por uma longa estruturação estatal, que facilitou a concentração de terra nas mãos dos barões do agro. Algo que remonta a uma série de programas implementados por diferentes governos, iniciando no século XX e se intensificando durante a ditadura militar. Historicamente, esse processo envolveu a Revolução Verde, os estudos para melhoramento do solo, a abertura de rodovias, a entrega de terras, muitos incentivos fiscais e isenções – verbas públicas para pequenos grupos familiares que até hoje concentram gigantescos latifúndios em território mato-grossense.

A estrutura pública financiou e financia o agronegócio desde suas origens. Além de incentivos financeiros, tanto o governo do estado quanto partidos institucionais, deputados e senadores vêm investindo em políticas públicas que, direta ou indiretamente, têm beneficiado ruralistas, mineradoras e especulação imobiliária.

Exemplos disso são os diversos Projetos de Lei — já aprovados ou em processo de tramitação — que flexibilizam as leis ambientais para ampliar áreas da agropecuária, mineração etc. Alguns dos mais recentes são: o Projeto de Lei Complementar (PLC) 64/23, já é lei e possibilita a derrubada de área de vegetação nativa, a área de reserva legal, para mineração; a Lei 12.295/23, dificulta a destruição de equipamentos utilizados em crime ambiental, beneficiando aqueles que cometem desmatamento e queimadas; o Projeto de Lei (PL) 1363/2023 (popularizado como "Cota Zero"), tem impacto na vida de mais de 96 mil pessoas, as quais sobrevivem da renda familiar gerada pela pesca, impactando, também, na sobrevivência de comunidades tradicionais (ribeirinhos), que dependem da pesca para sua alimentação; e o PLC 04/24, ainda tramitando, que insere um novo artigo à Lei Complementar (LC) nº 38, de 1995, pelo qual a “Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) poderá autorizar a realocação de reserva legal dentro do mesmo imóvel rural, para fins de desenvolvimento de atividades agropecuárias”.

Em outra linha de ação, o governo Mauro Mendes (União Brasil) intensifica a criminalização de movimentos sociais (urbanos, camponeses e indígenas) e ambientais que lutam pela reforma agrária, pela demarcação das terras indígenas ou pela proteção ambiental dos rios e das florestas. O governador tem buscado limitar a atuação de organizações que denunciam o desmatamento e investe pesadamente no que chama de “Invasão Zero”, seguindo a lógica nacional de políticos da direita e de bolsonaristas que agem violentamente contra as ocupações por trabalhadores rurais sem-terra e contra os povos indígenas que lutam e resistem para não perder seus territórios. Apoiador de Bolsonaro, o governador diz ter implantado uma “política de tolerância zero contra a invasão de terras”. Além de discursos agressivos nas mídias, Mauro Mendes aprovou, em fevereiro de 2024, a Lei 12.430/2024, que restringe direitos sociais — como receber assistência e benefícios dos programas sociais do governo estadual, assumir cargos públicos ou contratos com o governo — para quem, segundo ele, for “invasor ou ocupante” de terras rurais ou urbanas. O real objetivo da lei de Mauro Mendes é a fragilização dos trabalhadores rurais sem-terra, das pessoas que ocupam em busca de terra para trabalhar e para morar, e que, pela condição social vulnerável, teriam direito à assistência social.

Enquanto isso, os barões do agronegócio, das madeireiras e das mineradoras continuam lucrando bilhões às custas do desmatamento, das queimadas e do envenenamento generalizado por agrotóxicos. Como o caso do pecuarista Claudecy Oliveira Lemes, denunciado recentemente, que é dono de 11 fazendas no município de Barão de Melgaço, em Mato Grosso. Conforme os dados divulgados, o pecuarista desmatou 80 mil hectares, realizando desfolhamento químico por meio do lançamento de toneladas de agrotóxicos sobre a mata preservada e utilizando, inclusive, o “agente laranja” — arma química que foi utilizada pelos Estados Unidos durante a Guerra no Vietnã. O caso do pecuarista Claudecy Oliveira Lemes repercutiu pela extremidade da ação, mas não é algo isolado. Existem diversas denúncias sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos no estado, com pesquisas que apontam os males trazidos para a fauna, a flora e a vida humana. Entre os males, a contaminação do leite materno das mulheres de várias regiões próximas às áreas do agro.

A VIOLÊNCIA COMO MÉTODO DE GARANTIR LUCRO E AMPLIAÇÃO DO MONOPÓLIO DO AGRO

Segundo relatórios da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de 2022 e 2023, os conflitos no campo aumentaram 61% de 2021 para 2022, contando com 51 conflitos em 2023. Indígenas são as maiores vítimas dessa violência, seguidos pelos trabalhadores rurais. Um dos dados importantes do relatório de 2023 refere-se à comparação entre o crescimento de renda da elite mais rica com o crescimento dos conflitos pela terra. Entre 2017 e 2023, Mato Grosso é o terceiro estado em que a renda dos mais ricos mais cresceu: “Segue ao Amazonas o Mato Grosso, cuja elite mais restrita teve sua renda aumentada em 115% e verificou um aumento de 100% no número de ocorrências de conflitos por terra entre 2017 e 2023, sendo que a maior parte das ocorrências de conflitos estão localizadas no Norte Matogrossense, também na área de expansão de fronteira agrícola” (Cedoc Dom Tomás Balduino/CPT). As práticas do governo de Mato Grosso, fortalecidas por deputados estaduais, federais e senadores da direita, por defensores do agro e por empresas dos setores interessados, têm funcionado, também, para acirrar as ações da Patrulha Rural da Polícia Militar na violência contra ocupações e lutas pela terra no estado, assim como para "justificar" a ofensiva dos jagunços contratados por fazendeiros.

Em 10 de outubro de 2023, o Acampamento Renascer, no município de Jaciara/MT, sofreu ação violenta da Patrulha Rural. Juntos aos policiais, estavam grileiros ligados à Usina Porto Seguro e ao Pantanal/Grupo Naoum. Sem ordem judicial, a Patrulha Rural derrubou e destruiu as cercas de um dos moradores, que reside no local há mais de 10 anos. Os agricultores familiares do acampamento questionaram e filmaram a ação policial. A Patrulha Rural disparou balas de borracha, socos e pontapés, deixando 10 pessoas feridas e prendendo mais duas. O Acampamento Renascer está em uma área já designada como assentamento, criado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em 2004, mas as famílias não puderam ser assentadas até hoje porque a área está grilada pela usina. A Justiça Federal já reconheceu que a área é de propriedade da União e, por isso, foi destinada ao assentamento. Contudo, isso não pode ser concretizado até que mandados de segurança pedidos pelos grileiros da usina sejam resolvidos na justiça. Ou seja, a ação da Patrulha Rural, acompanhada dos grileiros, demonstra claramente a serviço de quem ela e o Estado estão. Agricultores relataram, ainda, que o comandante da Patrulha afirmou estar cumprindo ordens do governador Mauro Mendes. A usina também utiliza a prática da pulverização de agrotóxico com pequenos aviões, atingindo as plantações, contaminando o solo, os camponeses e os demais moradores do local.

Outro episódio de violência da Polícia Militar de Mato Grosso ocorreu no dia 27 de maio de 2024, quando, também sem ordem judicial, policiais executaram o despejo de 74 famílias que ocuparam a fazenda Cinco Estrelas, no município de Novo Mundo, norte de Mato Grosso. Com agressões, apreensões de celulares para que nada fosse registrado e truculência, a Polícia Militar de Mato Grosso (PMMT) prendeu 10 trabalhadores rurais, dois representantes da CPT-MT, um padre e uma defensora pública. Um homem que mora nos arredores da fazenda teve a casa invadida e o braço quebrado. Antes da ação da polícia, seguranças de uma empresa de segurança privada — na verdade, jagunços da fazenda — jogaram um trator sobre as famílias, que resistiram. As famílias estão acampadas há 20 anos à beira da estrada, no Acampamento União Recanto Cinco Estrelas, à espera que a justiça autorize o assentamento definitivo em uma das áreas da Fazenda Cinco Estrelas. A área já foi reconhecida como pertencente à União e destinada para a reforma agrária, conforme decisão da justiça em 2020, mas o grileiro, que diz ser o dono das terras, entrou com mandado de segurança. A PMMT, a sua Patrulha Rural e a Força Tática formaram um forte aparato repressivo, com sete viaturas, bombas, armas de grosso calibre etc. De acordo com relatos dos presentes, o major que comandou a operação disse que as forças policiais foram acionadas a mando do próprio governador.

Nesses dois últimos casos vividos em Mato Grosso, são comuns alguns elementos que vêm operando na prática do Estado, dos fazendeiros e dos defensores do agro. Nos dois casos, ocorreram a execução de despejo e abordagem policial sem ordem judicial. Obviamente, isso não significa que ter a ordem judicial justificaria a violência contra trabalhadores rurais. Significa que a Polícia Militar e o Estado operam por dentro dos protocolos estatais, achando brechas que garantem a impunidade. Ou seja, quem detém o monopólio da terra e o dinheiro é quem determina a legalidade e legitimidade da ação repressiva.

Nos dois casos, houve presença de “seguranças privados” das fazendas — na verdade, jagunços dos fazendeiros —, agindo com a polícia, seja no mesmo momento, seja minutos antes da PMMT chegar. Isso demonstra o quanto a polícia e o Estado servem aos interesses dos fazendeiros e das empresas que grilaram as terras, agindo de modo orquestrado. Nos dois casos, as terras já foram identificadas como da União e destinadas à reforma agrária; os fazendeiros e as empresas estão nelas ilegalmente, falsificando as documentações. Ainda assim, a justiça não dá celeridade ao processo e não cumpre com a concretização dos assentamentos já demandados. A justiça tem um lado, obviamente.

A violência da Patrulha Rural e da PMMT como um todo e a irregularidade dos fazendeiros e empresas que estão de “posse” dessas áreas foram corroboradas e facilitadas pela prática do governo Mauro Mendes. Essa prática passa por disparar discursos agressivos nas mídias — como aqueles realizados contra os povos indígenas no estado, em ofensiva às demarcações das terras indígenas — e por implantar políticas que beneficiam os barões do setor agropecuário, a concentração de terras e a criminalização daqueles que lutam pela reforma agrária. Com a prática de “tolerância zero contra invasões” ou de “invasão zero”, instaura-se a repressão, a violência e o ódio. A ação do Estado em Mato Grosso segue uma linha nacional histórica, pela qual o sistema capitalista-estatista sustenta a defesa do agronegócio e a concentração de terras nas mãos de poucos.

Um dos gráficos do relatório “Conflitos no campo Brasil 2023″, da CPT, apresenta a evolução das “categorias que causaram ações de violência” no campo de 2014 a 2023. Os casos em que as ações de violência foram causadas pelo Estado e forças militares aumentaram significativamente entre 2019 e 2023. Em 2014, Estado e forças militares causaram a violência em 106 ocorrências; 2015, em 91 ocorrências; 2016, em 146; 2017, em 115; 2018, em 153; 2019, em 215; 2020, em 723; 2021, em 283; 2022, em 402; 2023, em 440. As três categorias que mais causam ações de violência no campo são fazendeiros, empresários e Estado/forças militares. Entre os mais afetados por essa violência, estão indígenas e trabalhadores rurais (CEDOC Dom Tomás Balduino - CPT. Elaboração: LEMTO-UFF, 2024.).

Paralelamente à violência, avança drasticamente a destruição ambiental. De acordo com levantamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), os incêndios no Pantanal dispararam 1000% neste primeiro semestre de 2024; com exceção de 2020, é o maior índice de incêndios desde 2010. O rio Paraguai, bacia principal do bioma, registra seca drástica, levando a Agência Nacional de Águas e Saneamento (ANA) a declarar "situação crítica de escassez" até outubro. Enquanto isso, empresários buscam aumentar a implantação de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) visando lucros maiores. O governador Mauro Mendes e sua família têm interesse especial na autorização de PCHs, uma das razões que teriam motivado a Lei Cota Zero — expulsando pequenos pescadores, o caminho fica mais fácil para as PCHs. Essa relação tem sido denunciada recorrentemente. A denúncia mais recente é de que um promotor de justiça, Marcelo Vachiano, coordenador do Centro de Apoio Técnico e Execução Ambiental do Ministério Público Estadual de Mato Grosso, atuou para beneficiar projetos de PCHs no Pantanal em favor do filho do governador. No decorrer de seus dois mandatos, Mauro Mendes e empresas — principalmente, a Maturati Participações S.A., que tem intenção de construir PCHs — vêm fazendo pressão sobre instituições e órgãos públicos para viabilizar a instalação de PCHs. Somam-se nessa pressão, o Ministro da Agricultura e Pecuária Carlos Fávaro (PSD), pressionando desde quando era senador, e o suplente de deputado federal Valtenir Pereira (MDB). Existe toda uma máfia que age para "passar a boiada" em Mato Grosso!

Assim como os demais setores que expropriam e lucram dentro do sistema capitalista-estatista, Mauro Mendes segue a cartilha de disputa da narrativa com altos investimentos em propaganda. Possui um forte staff, bancado com verbas públicas, para difundir e reforçar sua narrativa de que segue os padrões internacionais — as leis acordadas em esferas como a ONU — ao tratar da questão do meio ambiente e dos direitos humanos. Contudo, na prática, a realidade é extremamente outra, o que vem desde o seu primeiro mandato. Até mesmo antes! É possível encontrar denúncias e investigações das práticas da Mavi Engenharia e Construções, do grupo Bipar, do qual Mauro Mendes era presidente licenciado, ou da Bimetal; grupos acusados de destruição do meio ambiente e trabalhos análogos à escravidão em Cacoal/Rondônia. O governo Mauro Mendes emprega fortemente a propaganda para desviar o foco de suas práticas.

NÃO SERÁ PELA CONCILIAÇÃO DE CLASSES E DENTRO DO SISTEMA CAPITALISTA-ESTATISTA QUE OS DIREITOS SERÃO GARANTIDOS

O estado de Mato Grosso é dominado pela direita e extrema direita (representada pelos mais ferrenhos defensores do bolsonarismo), por empresários do agronegócio e por mineradoras. Eles promovem a concentração de terras nas mãos dos de cima, a especulação imobiliária, a exploração que leva ao envenenamento e à destruição da terra, das águas e das florestas. Atuam para flexibilizar leis ambientais, defender o Marco Temporal, impossibilitar a demarcação de terras indígenas e a reforma agrária em favor dos reais trabalhadores da terra. Atuam para promover a abertura irrestrita à garimpagem, instalar PCHs e Usinas Hidrelétricas (UHs), destruindo toda a vida local; para garantir o financiamento estatal do agronegócio; para criminalizar e reprimir a luta pela terra.

Esse cenário evidencia, cada vez mais, que a luta pela terra é um aspecto da luta de classes, e ela exige combater o agronegócio, as mineradoras, as empresas que concentram terras, a direita e a extrema direita que fazem defesa do agro e os grandes fazendeiros. Ou seja, é fundamental combater os de cima. É uma luta para derrubar o capitalismo e o Estado!

Muitos são os ataques que as classes oprimidas no campo, na floresta e na cidade sofrem, no Brasil em geral e em Mato Grosso em particular. Temos a certeza de que a conciliação de classes, em âmbito federal/estadual/municipal, em nada favorece as oprimidas e os oprimidos do campo e da cidade, sobretudo, os povos tradicionais e originários. Pelo contrário, tal política apenas enfraquece a organização, a luta, a resistência e o combate ao sistema capitalista-estatista.

As ilusões das classes oprimidas na possibilidade de mudança via instituições burguesas têm desarmado todas as lutas em defesa de melhores condições de vida. Também têm freado qualquer avanço de força social rumo a um processo de ruptura que nos encaminhe para uma revolução social. A luta de classes e o fortalecimento das classes oprimidas são as vias para uma transformação social real!