Em 18 de novembro de 1918, as classes oprimidas da então capital federal protagonizaram um evento histórico que ficou marcado na memória das grandes lutas operárias brasileiras. A Insurreição Anarquista do Rio de Janeiro foi produto de um grande crescimento na organização e luta da classe trabalhadora fluminense e brasileira. O movimento operário do país, inspirado pela estratégia anarquista do sindicalismo revolucionário, vinha amadurecendo e avançando seus métodos de luta. A grande greve geral de 1917 (a primeira greve geral do país) foi liderada pela militância das mulheres que trabalhavam na indústria têxtil e demonstrou a força das classes oprimidas que estavam organizadas em seus sindicatos. Vários direitos conquistados pelos trabalhadores e trabalhadoras foram alcançados depois de muita repressão, luta e sangue derramado.
Com o desenrolar da Primeira Guerra Mundial (1914-1919), o alto custo de vida e a fome passaram a ser cada vez mais presentes na vida dos mais pobres. A epidemia de Gripe Espanhola aprofundou essa crise, ao vitimar milhares de trabalhadores/as nas diferentes capitais do país.
Inspirada pela Revolução Russa, a Insurreição Anarquista tinha como objetivo a instalação de um soviete no Rio de Janeiro, um autogoverno das classes oprimidas. A insurreição começou depois de uma grande greve, que atingiu as cidades do Rio de Janeiro, Niterói, Magé, Petrópolis e Santo Aleixo. Essa greve foi organizada por trabalhadores da construção civil, da indústria têxtil, metalúrgicos e outras categorias sindicais. As fábricas e canteiros paralisaram suas atividades e as classes oprimidas saíram às ruas, enfrentando a fúria dos ricos e poderosos daquele tempo.
Parte do levante chegou a ter a participação de soldados do exército e houve enfrentamentos contra as forças policiais nas ruas. O movimento contou com a organização decisiva de diversos anarquistas organizados na Aliança Anarquista do Rio de Janeiro, uma organização específica anarquista que foi fundada em 1918. O levante foi desbaratado depois de sofrer a infiltração de um agente policial. Apesar de sua coragem e determinação, a insurreição sofreu uma grande repressão que terminou com a prisão de centenas de operários/as e anarquistas.
As lições da insurreição para o tempo presente
Longe de olharmos para o passado de maneira idealizada, entendemos a experiência insurrecional desse evento como uma fonte de muitas lições. Primeiramente, precisamos nos espelhar nesse espírito combativo do sindicalismo revolucionário do início do século para construir sindicatos e categorias fortes e combativas. Sabemos que construir organizações sindicais combativas em meio à forte burocratização sindical não é algo fácil. Mas é algo que deve ser construído no médio e longo prazo, para enfrentar as covardias do sistema capitalista-estatista.
Ao mesmo tempo precisamos refletir sobre os limites e potencialidades de quaisquer exemplos históricos de luta popular e eventos insurrecionais. Apesar da combatividade da insurreição anarquista, faltou-lhe a presença mais consolidada de uma organização política anarquista e revolucionária, entre as fileiras da luta social. Apesar da presença da aguerrida Aliança Anarquista, esta organização incipiente e jovem, do ponto de vista de seu tempo histórico, era uma organização modesta, que não tinha capacidade suficiente para multiplicar seu programa político revolucionário.
A insurreição anarquista também traz lições importantes para o próprio anarquismo. Não é possível que um evento insurrecional, anticapitalista e antiestatista ocorra sem a construção e fortalecimento de movimentos populares, sindicatos e espaços de luta mais amplos, que estejam enraizados em diferentes partes do país e que possuam um projeto nacional, que pense o país em suas contradições, seus caminhos de luta e sua contribuição aos movimentos de libertação em nível continental e internacional.
Do mesmo modo, não é possível fazer avançar o projeto anarquista sem a constituição, experiência e fortalecimento de uma organização específica própria dos revolucionários e socialistas libertários em núcleos em todo o país. Esta precisa aprender com o passado para avançar no presente e no futuro. Superando a dispersão, o localismo e avançando em estrutura, organicidade e inserção social.
Esse projeto certamente não será realizado de um dia para outro e tampouco surgirá espontaneamente, mas é fundamental que começe desde já, com modéstia e firmeza. Há de se ter paciência, determinação e capacidade de dar respostas concretas e coletivas aos problemas colocados pela luta de classes, tanto no nível teórico-prático, quanto no organizativo. Não desanimar com os possíveis refluxos e seguir aprendendo com os desafios e erros colocados pela luta de classes.
Do mesmo modo, a luta nos grandes centros e capitais é fundamental para a construção de experiências de poder popular, mas essa luta deve estar acompanhada de inserção social fora dos grandes eixos urbanos, no campo, nas florestas e nas pequenas e médias cidades. Isso implica num trabalho muito forte da militância socialista e libertária para fortalecer tanto os movimentos populares num sentido revolucionário, quanto o de enraizar sua organização política.
Os/as participantes da Insurreição Anarquista de 1918 sofreram a repressão brutal do Estado brasileiro, tiveram suas organizações e entidades fechadas, foram presos e perseguidos/as, mas seu exemplo de luta permanece vivo e ensinando.
A maior homenagem a esses companheiros e companheiras que se foram é preparar-nos decisivamente para as próximas batalhas, construindo cada vez mais espaços de luta que apontem para a possibilidade de uma vitória prolongada. Fazer de cada sindicato, movimento popular e espaço de luta uma trincheira que aponte para a insurreição e a revolução anticapitalista e antiestatista no futuro.
Rumo ao socialismo libertário e ao autogoverno das classes oprimidas!
Viva a Insurreição Anarquista do Rio de Janeiro!
Organização Socialista Libertária
18 de Novembro de 2023