Marielle Franco: assassinada pelo jogo de poder do Estado e do capitalismo

Há cerca de 6 anos a vereadora Marielle Franco, liderança negra e popular radicada no Complexo de favelas da Maré, era brutalmente assassinada no Rio de Janeiro. Esta semana, três suspeitos foram apresentados pela polícia como os mandantes e organizadores do assassinato. Além de Chiquinho e seu irmão, Domingos Brazão (ambos do União Brasil), o ex-chefe da polícia civil, que coordenava o caso, Rivaldo Barbosa, também foi preso.

É preciso relembrar o contexto político do assassinato de Marielle. Marielle foi assassinada em 2018, depois de um golpe jurídico-parlamentar que derrubou o governo Dilma e colocou seu vice, Michel Temer, no poder. Temer aproximou-se do já ativo partido fardado como forma de amparar seu frágil governo golpista e neoliberal. Foi Temer que nomeou integrantes das Forças Armadas ao ministério da Defesa, da Segurança Pública e decretou uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) em fevereiro de 2018, que determinava uma missão militar em todo território nacional.

Essa missão foi coordenada pelo general Sergio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) – (recém “recriado” por Temer) -, uma excrescência que é herança da ditadura e tem como objetivo vigiar movimentos populares e qualificar o aparato de repressão estatal. Esse governo golpista, reacionário e neoliberal colocou o estado do Rio de Janeiro sob intervenção federal, a primeira desde o fim da ditadura militar no Brasil. A intervenção militar no Rio de Janeiro ficou a cargo do general Braga Netto, futuro ministro do governo Bolsonaro.

 Marielle, que era uma das figuras públicas mais crítica à intervenção federal foi assassinada no dia 14 de março de 2018, com apenas 15 dias de intervenção federal. Intervenção que foi organizada pelo setor militar mais reacionário, que articularia a candidatura de Bolsonaro, eleito presidente em outubro de 2018. Foi este setor que nomeou Rivaldo Barbosa como chefe de Polícia Civil.

A resolução do crime é política, não apenas “criminal”

Desde 2015, há uma ofensiva da classe dominante – iniciada ainda sob o Governo Dilma/Temer – na tentativa de consolidar um bloco político reacionário, que avançasse nas contrarreformas neoliberais e impedisse quaisquer políticas minimamente progressistas ou reformistas. Este avanço impôs ao Rio de Janeiro, em 2017, um ajuste neoliberal chamado “Regime de Recuperação Fiscal”, que impôs duros cortes nos serviços sociais, enquanto ao mesmo tempo, incentivava o aumento do aparato de repressão estatal. 

Esse bloco reacionário e neoliberal conta não apenas com organizações políticas de extrema direita, mas com o partido fardado, o agronegócio, as lideranças neopentecostais e o setor mais reacionário da burguesia industrial. As amplas relações e afinidades já comprovadas entre a família Bolsonaro (representantes eleitorais desse bloco) e a milícia, demonstram que são parte do mesmo grupo político e integram o mesmo círculo de relações.

O aparato miliciano, fortemente incrustrado dentro da institucionalidade estatal é parte dessa ofensiva neoliberal e reacionária mais ampla que autoriza o assassinato de lideranças de esquerda. Assim como, organiza expedientes de assassinatos políticos e pistolagem, como o da liderança política Nega Pataxó, assassinada em 21 de janeiro deste ano no contexto da ‘Invasão Zero’ – uma ação organizada por grandes fazendeiros baianos. E do militante do MST, José Roberto da Rocha, que foi encontrado no último dia 24 de março, dentro de seu carro carbonizado, no assentamento Orlando Bernadino, no município de Alhandra (estado da Paraíba).

O governo Bolsonaro armou esses setores, com a multiplicação de clubes de tiro, armamento desviado para paramilitares e formação de pequenas “milícias” do agronegócio. As milícias também passaram a avançar dentro dos territórios urbanos e ganhar mais força institucionalmente.

No assassinato de Marielle, temos, no mínimo, quatro instituições envolvidas direta ou indiretamente em seu assassinato: a polícia civil (Nivaldo Barbosa), a polícia militar (Ronnie Lessa), a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (irmãos Brazão) e as Forças Armadas (Braga Netto), que coordenavam a intervenção no Rio de Janeiro e amparavam militarmente o ajuste neoliberal.

Tal rede demonstra que as milícias, não são um Estado paralelo, mas são parte do próprio Estado e de suas instituições. Pois, atuam politicamente através das relações e simbiose com o partido fardado (que inclui as forças armadas e as forças policiais) e todas as forças anteriormente citadas para fazer avançar seus interesses políticos e econômicos no país (principalmente a grilagem de terras e domínio territorial).

Essas relações também criam currais eleitorais controlados por milicianos que são “aproveitados” por variadas forças políticas. A eleição de Domingos Brazão como conselheiro do Tribunal de Contas foi aprovada com 66 votos, sendo 61 favoráveis, incluindo votos do  PT, PMDB, PR (atual PL) e PP. Chiquinho Brazão era secretário de Eduardo Paes, ocupando a Secretaria de Ação Comunitária. A família Brazão seguiu tendo influência em governos estaduais do Rio de Janeiro, incluindo o governo Cláudio Castro, fiel aliado de Bolsonaro.

O brutal assassinato de Marielle é parte dessa ofensiva da classe dominante, iniciada com mais evidência em 2015 e esta ofensiva não poderá ser detida pela institucionalidade (corrompida até a medula ou cúmplice dessas ações) ou pelas eleições. Ou a esquerda desperta da ilusão republicana, que acredita que essas forças desaparecerão nas próximas eleições, ou pagaremos um preço muito alto, em termos mais representantes e lideranças populares sendo assassinadas por esse bloco político reacionário.

Somente numa construção de longo prazo, de movimentos sociais de massa, articulados territorialmente, no campo e na cidade, a partir de um processo de organização que use variadas formas e níveis de luta, é que podemos derrotar esse bloco político reacionário e seus tentáculos assassinos.

Ainda há muitas perguntas sem respostas no caso Marielle, é dever dos movimentos sociais e da luta popular seguir pressionando para que essa relações políticas dentro do bloco reacionário, fiquem mais evidentes.

Marielle vive!

Organização Socialista Libertária (OSL), 27 de março de 2024