As eleições de 2022 não colocaram um fim na ameaça bolsonarista no Brasil, da mesma forma que a eleição de Biden em 2020 não derrotou o trumpismo. Ao longo de 2023 e agora, em 2024, assistimos uma articulação internacional se mobilizar para defender Jair Bolsonaro e o seu programa político reacionário. Os governos de Bukele (El Salvador), Milei (Argentina), Netanyahu (Israel) e Orbán (Hungria), cada um a sua maneira, atuaram para dar fôlego ao bolsonarismo e desestabilizar a democracia burguesa brasileira. Mais recentemente, o bilionário sul-africano Elon Musk iniciou uma cruzada política contra o STF e contra o Governo Lula-Alckmin, sendo prontamente apoiado por uma legião de políticos, intelectuais e grupos de direita: do português André Ventura ao russo Aleksandr Dugin, passando pelo partido espanhol Vox e pelo veículo da direita polonesa Visegrád. No Brasil, as movimentações do dono do X, antigo twitter, foram aplaudidas por bolsonaristas, pelo MBL, pelo Partido NOVO e por vários comentaristas e jornalistas da dita mídia hegemônica.
A extrema direita não pode ser entendida como um "ponto fora da curva" ou como uma série de casos particulares. Existe uma articulação verdadeiramente global - patrocinada por grandes empresários, governos e grupos fundamentalistas religiosos - para promover golpes militares, autocracias e fechamentos de regimes. Esse movimento ganhou impulso a partir da crise financeira de 2008 e está intimamente ligado à formação econômica e social neoliberal, buscando distrair as classes populares dos efeitos do capitalismo - como desigualdade e desemprego - com discursos de ódio contra as mulheres, a comunidade LGBT+ e populações étnico-raciais marginalizadas.
O COLONIALISMO DIGITAL TEM BASE MATERIAL: OS INTERESSES DE MUSK NA AMÉRICA LATINA
Musk é um colonialista, um bilionário capitalista cuja fortuna vem das minas de diamantes da África do Sul do Apartheid. Seu interesse pela América Latina tem principalmente motivação econômica. O bilionário cobiça as reservas de lítio sulamericanas, fundamentais para a produção de seus carros elétricos. O lítio, também chamado de "petróleo branco", é um dos minerais estratégicos para a produção de bateriais de alta tecnologia. Para se ter ideia, 84% do consumo mundial de lítio em 2023 já era voltado para o uso de baterias. O chamado "triângulo do lítio" (reunindo Argentina, Bolívia e Chile) é uma das reservas estratégicas deste minério no mundo e o colonialismo digital de Musk e companhia possui, portanto, fortes bases materiais.
Em novembro de 2019, Evo Morales sofreu um golpe na Bolívia apoiado pelos EUA e foi derrubado da presidência, entre outros motivos, por ter se oposto à exploração multinacional das reservas minerais da Bolívia, e por ter defendido formas de divisão da exploração mais justas. Perguntado à época, se teve participação no golpe, Musk tuitou: "Vamos dar um golpe em quem quisermos! Lide com isso". A Tesla e outras companhias mineradoras, mostraram um ávido interesse no lítio boliviano. Ainda de olho nessas reservas minerais, Musk também saudou pessoalmente a eleição de Milei e seu governo entreguista. Em 2022 Musk veio ao Brasil (que é a 7ª reserva de lítio do mundo) e encontrou pessoalmente Bolsonaro.
Todos esses movimentos provam que por trás do discurso de "liberdade de expressão" ocultam-se interesses econômicos e políticos imperialistas. Esses interesses de Musk e das big techs se associam ao fortalecimento de organizações e grupos políticos de extrema direita, cujo entreguismo e submissão ao imperialismo podem facilitar a entrega dos valiosos recursos naturais necessários a essas empresas.
AS BIG TECHS E OS NOVOS OLIGOPÓLIOS
Desde a eleição de Donald Trump em 2016, se escancarou a atuação política aberta e explícita das grandes empresas de tecnologia. O controle dos algoritmos através das grandes plataformas pode desestabilizar politicamente um determinado país, pois está ligado ao serviços de inteligência dos EUA e do ambiente de negócios do Vale do Silício. O Facebook foi instrumentalizado para favorecer a extrema direita através da coleta de dados de usuários, de um lado, e da propagação de notícias falsas, de outro. Esse padrão passou a se repetir continuamente em inúmeros países e em diversas redes sociais diferentes. Após a balbúrdia bolsonarista em 8 de Janeiro de 2022, uma fraca tentativa de regulamentar as mídias digitais rapidamente foi anulada por uma contra ofensiva das Big Techs. A Meta (Facebook, Instagram, Whatsapp), o Telegram, a Alphabet (Google, YouTube) e o Tiktok (uma exceção, ligado à China) se uniram para impedir que o projeto de lei contra fake news fosse aprovado.
Ao contrário do que muitos parecem acreditar, as redes sociais não são neutras. Elas estão inscritas no contexto de uma fase neoliberal do capitalismo, onde as políticas econômicas e sociais aprofundam a miséria, a concentração de renda e as diferenças sociais. A lógica das redes, operadas pelas big techs, intensifica a produção de valores sociais individualistas, estimulando a competição, as disputas por divergências de opinião e a "guerra de todos contra todos" no interior das classes oprimidas. Também difundem a ideia do empreendedorismo coletivo e individual como valores desse novo sujeito vivendo nessa fase neoliberal, incapaz de se organizar coletivamente.
Além dos interesses particulares e de classe de seus donos, a sua estrutura fundamental, os algoritmos, tendem a favorecer publicações de cunho sensacionalista e de rápida difusão, o que faz com que quanto mais distorcida e simplificada a informação, melhor. Assim, iniciativas como Brasil Paralelo e páginas que promovem teorias conspiratórias de direita possuem mais alcance e repercussão do que youtubers progressistas ou influenciadores de esquerda no antigo twitter. Além disso, redes sociais, aplicativos e outras iniciativas requerem uma farta infraestrutura para funcionamento, o que implica um igualmente farto investimento de capital. Em um contexto em que a classe trabalhadora e a esquerda revolucionária estão desorganizadas e sob ofensiva, o monopólio é das classes dominantes, seja a burguesia, seja a burocracia estatal.
Dessa maneira, a menos que a correlação de forças se altere, toda iniciativa propagandística por parte da ala revolucionária da esquerda - sites, vídeos, imagens, etc - seguirá tendo alcance limitado. Isso não significa negar ou invalidar quaisquer iniciativas de divulgação e propaganda, mas compreender que nossa capacidade de intervenção não depende de nossa vontade, de voluntarismo, e sim do processo real da luta de classes, que é material.
A MÍDIA TRADICIONAL E OS VELHOS OLIGOPÓLIOS
Não se pode esquecer também que a mídia tradicional ainda possui sua influência na propagação da ideologia burguesa, em particular a Rede Globo. Formada por canais de rádio e televisão, por revistas e por jornais, esse oligopólio esteve por trás da cooptação da revolta popular de Junho de 2013, do golpe parlamentar de 2016, da Operação Lava-Jato e das medidas neoliberais dos Governos Temer e Bolsonaro, como a terceirização irrestrita, a reforma trabalhista e a reforma da previdência. Tudo isso com apoio e conivência do Judiciário, do Ministério Público e do Congresso.
A relação da mídia tradicional com o bolsonarismo foi dúbia. Alguns grupos, como a Record, o SBT e a Jovem Pan, embarcaram abertamente no golpismo, promovendo discursos reacionários, revisionismo sobre o período militar e o negacionismo científico. Outros, como a Globo e veículos da imprensa escrita (Veja, Folha, Estadão), adotaram uma política de apoio crítico ou contenção de danos: realizavam algumas críticas ao governo Bolsonaro enquanto apoiavam o plano econômico de Paulo Guedes.
As críticas desse segundo grupo aos absurdos bolsonaristas fizeram com que o novo governo Lula-Alckmin e parte da esquerda partidária acreditasse na possibilidade de uma aliança - de uma nova conciliação entre classes antagônicas. Esse setor midiático se tornou um dos fiadores de um novo pacto liberal, numa versão com elementos sociais, encabeçado pelo PT e por parte da esquerda institucional, que inclui PCdoB, PDT e, mais recentemente, PSOL.
Abrindo mão de um programa minimamente de esquerda e aprovando projetos liberais e de direita, como o Novo Teto de Gastos ("arcabouço fiscal") e a privatização dos presídios, Lula passou a ser o rosto público de uma "frente ampla" ao lado da Globo, de Geraldo Alckmin, de Simone Tebet e de Alexandre de Moraes - que, vale lembrar, sempre estiveram ligados aos monopólios financeiros, ao agronegócio e à violência policial nas periferias. Na escala internacional, o Governo Federal passou a se aproximar cada vez mais de nomes da face pseudo-progressista do imperialismo, como Biden e Macron, sob a bandeira da democracia e dos direitos humanos. São esses mesmos "governos democráticos" que, atualmente, lucram com a guerra entre Rússia e Ucrânia e com o genocídio de Israel contra o povo palestino.
CONSTRUIR O PODER POPULAR E A LUTA REVOLUCIONÁRIA
Nós, da Organização Socialista Libertária (OSL), afirmamos que não se pode ter nenhuma confiança nas instituições burguesas. Em toda a história, as ditaduras militares e fascistas chegaram ao poder com o apoio e a conivência dessas mesmas instituições burguesas e do imperialismo, que supostamente deveriam defender a democracia liberal. É na organização popular e na luta de classes que se freia o fascismo e o golpismo, e não nos acordos de bastidores e no velho jogo político burguês.
Entendemos que o combate à extrema direita, ao sistema capitalista-estatista e ao imperialismo envolve a independência da classe trabalhadora, e essa independência passa também pelo controle de notícias e informações.
Não temos esperança que leis ou interpretações jurídicas possam ser o suficiente para uma verdadeira democratização da mídia no Brasil. As classes populares devem, quando necessário, construir seus próprios meios de comunicação, como as rádios comunitárias, jornais populares, podcasts, etc. e, quando possível, agir para incidir diretamente nos meios de difusão de conhecimento já existentes.
Enquanto não houver um forte movimento popular, anticapitalista, anti-imperialista que busque e paute a democratização radical dos meios de comunicação, não haverá possibilidade de ter "liberdade de expressão", mas sim, a liberdade de expressão da burguesia nacional e/ou internacional. Junto ao combate sem trégua ao domínio das big techs, precisamos avançar no controle social da mídia nacional, estas dominadas pelos oligopólios das elites nacionais ou lacaias do imperialismo.
OSL, 15 de abril de 2024