No dia 19 de julho, assistimos uma falha na operação de diversos ramos do setor de serviços como: bancos, linhas aéreas, varejo, mídias, saúde, entre outros, em uma escala global. A causa do problema foi a falha no funcionamento dos computadores com sistema operacional Windows que utilizam a plataforma Falcon, da empresa CrowdStrike, para segurança digital. Uma atualização automática foi disparada pela empresa para todos os clientes, gerando conflito com o sistema operacional e ocasionando falha na inicialização dos computadores [1].
A CrowdStrike é uma empresa de segurança digital, com base no Texas (EUA), que opera em mais de 170 países. Tem uma receita de aproximadamente U$ 900 milhões de dólares e 29.000 clientes no mundo, entre eles Google, Amazon e Intel [2].
Essa falha escancara a instabilidade social gerada pelo domínio do mercado promovida pelos oligopólios digitais, as chamadas Big Techs, e as infraestruturas da internet controladas politicamente pelos Estado Unidos.
No dia do apagão, quando os afetados foram acessar seus aplicativos e sistemas, na nuvem da Microsoft, verificaram que o sistema operacional não funcionava; até mesmo o Microsoft 365, que é um serviço de assinatura que tem o pacote Office e outros serviços de internet instalados nas chamadas "nuvens", em vez de estarem em servidores próprios.
Ou seja, uma única empresa, por uma falha técnica simples, coloca em risco a vida de uma enorme quantidade de pessoas em diversos lugares do mundo, especialmente se tratando da queda dos sistemas de hospitais. Nenhuma perda ou vazamento de dados foi reportada — fato que já ocorreu em vários momentos — mas o ocorrido mostra o quão frágil é essa estrutura de gerenciamento de áreas tão importantes atualmente para a sociedade, orientadas por uma base ideológica neoliberal, sustentada pelo sistema capitalista-estatista.
O DEBATE DA SOBERANIA DIGITAL E A DEPENDÊNCIA DAS BIG TECHS
Quando falamos nos Serviços em Nuvens e atualizações de sistema operacional, significa que os dados e arquivos dos usuários estão salvos em computadores da Microsoft (que não sabemos o local físico). O usuário acessa seus documentos e informações de qualquer lugar com uma conexão à internet, a não ser que a própria empresa tenha uma falha, um ataque ou promova um bloqueio, intencional ou não.
Por outras vias, o apagão mostrou o grande poder que possui uma empresa como a Microsoft e os EUA, dono de grande parte da infraestrutura física que conecta a grande maioria das partes do mundo. Mesmo com uma falha não intencional, deixa claro que a Microsoft ou qualquer outra empresa (Google, Amazon, etc.) tem a possibilidade concreta de bloquear o acesso de indivíduos, empresas e instituições a seus próprios dados. O que chamam de nuvens, são computadores presentes em data centers, longe das respectivas jurisdições dos Estados e da possibilidade de acesso físico. É comum diversos dados estratégicos dos Estados, sobretudo de países em desenvolvimento, como o brasileiro, estarem hospedados nos servidores dessas empresas através de convênios, como por exemplo, no caso de Universidades públicas. Mais comum e preocupante ainda, é movimentos sociais anticapitalistas e militantes armazenarem seus dados utilizando softwares de uso cotidiano, utilizando servidores dessas empresas. O debate sobre a Soberania Digital é urgente, é um grande risco utilizar as ferramentas tecnológicas como se elas fossem neutras, não controladas por interesses alheios aos de quem a utiliza.
OS TRABALHADORES QUE FAZEM FUNCIONAR AS MÁQUINAS, ONDE FICAM?
Outro aspecto importante desse debate é superar o apagamento da força de trabalho necessária para mover toda essa engrenagem. Por exemplo, a realidade dos trabalhadores do setor de desenvolvimento de software é a "pejotização" com trabalho remoto; sem nenhuma garantia e seguridade, os trabalhadores são contratados como Pessoa Jurídica (PJ), com a velha falácia do discurso "empreendedor" e da "inovação". Ao abrir qualquer "oportunidade" de emprego, é comum a necessidade de uma enorme lista de pré-requisitos para uma vaga, as quais, em geral, oferecem muitos poucos ou quase nenhum direito trabalhista. Nessas condições, profissionais são cobrados a qualquer horário do dia, com pouca ou nenhuma interação coletiva para desenvolvimento do trabalho e prazos de entrega tão curtos que impossibilitam a verificação e validação dos códigos, criando assim a necessidade de atualizações frequentes quando falhas são observadas. Dinâmica que explicita a atual lógica no mundo do trabalha: precarização maximizada!
É evidente, também, que nessa estrutura de divisão do trabalho — fragmentação e fragilização —, em que se busca o retorno econômico no lugar da melhor solução para uma demanda social, as empresas tenham uma mínima comunicação entre si, dificultando a integração entre softwares e, inevitavelmente, causando problemas como o ocorrido agora. Isto é, a precarização do trabalho também é uma grande responsável pela ocorrência de falhas técnicas e de segurança graves.
A IMPORTÂNCIA DE UM PROGRAMA REVOLUCIONÁRIO PARA A ÁREA DA TECNOLOGIA
A rápida repercussão do "apagão cibernético" nos principais meios de comunicação internacionais, deixam nítido, também, o quão sensível é o funcionamento de grandes setores econômicos a qualquer movimentação na área de tecnologia da informação. Bolsa de valores, bancos, empresas aéreas e setores de transporte terrestres e ferroviário, hospitais etc., vários foram os problemas relatados nesses setores.
Por isso, a luta anticapitalista em busca de uma outra sociedade não pode ignorar a importância do setor tecnológico. Do nosso ponto de vista, é necessário: a) avançar nesse debate nos somando aos grupos que já constroem essa luta, visando disseminar e democratizar o conhecimento, por exemplo, de conceitos básicos de software livre e a soberania digital com o controle popular da infraestrutura, visando proteger as classes oprimidas da ação de governos e corporações que mantém a população mundial sob vigilância e monitoramento constante; b) utilizar o conhecimento acumulado para dar suporte aos movimentos populares e sindicais, com questões técnicas mais imediatas de redução de danos e teorias para avançar na construção de políticas; por fim, c) construir a luta sindical dos trabalhadores do setor tecnológico, visando acumular força social orientada para um sentido combativo e revolucionário.