“Nosso objetivo é retomar o vetor social do anarquismo, uma linha e uma influência de massas”

A Embat - Organização Libertária da Catalunha - realizou uma entrevista com a OSL, em que pudemos explicar melhor nossa proposta de organização e a construção do socialismo libertário. Publicamos agora a tradução para o português da terceira parte da entrevista, em que falamos sobre as linhas e trabalhos da OSL. A primeira parte pode ser lida aqui, e a segunda parte neste link.

PARTE 3: LINHAS E TRABALHOS DA OSL

Vocês podem explicar sua concepção de poder popular?

A construção do poder popular autogestionário é a base de nossa concepção estratégica. Ela exige uma estratégia geral que implica, para as classes oprimidas, uma transformação de capacidade de realização em força social e, depois, uma transformação de força social em poder. Explicamos em seguida como entendemos esse processo.

Para nós, as classes oprimidas possuem uma capacidade de realização, ou seja, um potencial ou possibilidade de produzir força social. Quando elas colocam essa capacidade em ação, passam a ter existência material/real e conformam uma força social, ou seja, essa energia aplicada nos conflitos sociais para atingir certos objetivos. Trabalhadores não organizados e que não se engajam em movimentos e lutas não produzem força social. Portanto, quando organizamos ou fortalecemos movimentos populares estamos fazendo exatamente isso: dando materialidade ao potencial transformador das massas; colocando/ reforçando uma força em jogo que, no conflito com outras forças, estabelecerá as relações de poder e determinará a conformação da realidade social.

Mas constituir uma força social não basta. Essa força precisa crescer, de modo a enfrentar as outras forças em jogo. De modo que uma tarefa importante é encontrar meios de aumentar permanentemente essa força, seja com o crescimento de membros, a otimização das forças, o desenvolvimento de capacidades, o manejo de recursos etc. Acontece que para os anarquistas em geral, e para a OSL isso não é diferente, não se trata de fazer qualquer coisa para aumentar essa força. Isso fazem aqueles que hipotecaram princípios em favor do pragmatismo. Essa força precisa aumentar, mas de acordo com certos critérios estratégicos, programáticos e éticos. Isso porque são esses meios que apontarão para os fins que pretendemos construir.

Isso exige defender e promover uma linha de massas nesses movimentos, muitas vezes disputando com outros setores, correntes etc. Essa linha – que, como falamos, tem similaridades com o sindicalismo revolucionário – inclui alguns elementos importantes.

Fortalecer as organizações de base em todos os setores (sindical, comunitário, agrário, estudantil etc.). Garantir a força e o protagonismo dos trabalhadores da base. Não subordinar os movimentos às posições políticas ou ideológicas (sindicato anarquista, movimento estudantil anarquista etc.). Lutar pela independência de classe frente a todas as instituições e pessoas que exerçam relações de dominação com os movimentos ou promovam sua dependência (patrões, Estado, partidos, igrejas, ONGs etc.).

Cultivar permanentemente a solidariedade de classe, evitando a mobilidade social de indivíduos ou setores e apostando na transformação estrutural e revolucionária da sociedade. Fortalecer as lutas sociais e conquistas por meio de mobilizações combativas, fazendo com que as lutas e conquistas imediatas (reformas) possam apontar para um horizonte transformador e revolucionário (revolução). Confrontar as instituições inimigas por meio dos movimentos populares, o que implica a promoção da ação direta e que a política dos trabalhadores seja desenvolvida em suas próprias instituições. Recorde-se que o Estado é uma instituição das classes dominantes e que tem a capacidade de produzir uma classe dominante: a burocracia.

Garantir o protagonismo dos trabalhadores, com as decisões envolvendo ampla participação e sendo tomadas pela base, visto que isso fortalecerá os trabalhadores. Lutas e movimentos são espaços para a criação de um novo sujeito revolucionário e uma nova sociedade; esse sujeito não é produzido automaticamente pela estrutura desigual da sociedade e nem pelas vanguardas autoritárias, cuja submissão que impõe às bases produz sujeitos incapazes de promover a transformação que buscamos.

É a força social produzida pelas classes oprimidas a partir dessa linha que tem condições de se impor a outras (revolução social) e estabelecer uma forma autogestionária ou libertária de poder, ou seja, esse equilíbrio temporário que se estabelece quando há essa sobreposição entre forças. Poder que pode se basear na dominação (como no caso do capitalismo, das experiências “socialistas” etc.) ou na autogestão e no federalismo. Nosso objetivo finalista é o socialismo libertário, com uma socialização generalizada (econômica, política, cultural), o fim das classes e de todas as formas de dominação. É apenas nessa sociedade que esse poder popular se consolida plenamente.

Poderiam nos dar exemplos concretos?

Vejamos como essa concepção de poder popular se aplica, por exemplo, no movimento de moradia. A primeira coisa é que há um contingente enorme de trabalhadores que não tem acesso à moradia ou à moradia digna. E é uma pequena minoria que está articulada em movimentos de moradia. Vemos aí que há toda uma capacidade de realização que não se transformou em força social. Se julgarmos estratégico trabalhar com esse setor, o primeiro passo será, por um lado, pensar em formas de organizar essas pessoas desorganizadas, criar lutas, movimentos etc. Por outro lado, isso também exigirá mapear os movimentos existentes, avaliar estrategicamente suas perspectivas e, se for o caso, participar deles promovendo nosso programa.

Grande parte dos movimentos de moradia brasileiros focam na organização dos sem-teto, visando a construção de força social direcionada para a disputa do Estado por meio das eleições. Muitas vezes são movimentos articulados por partidos que fazem daqueles sem-teto base para as eleições ou o que chamamos aqui de “curral eleitoral”. Esses políticos prometem que, ao serem eleitos (vereadores, deputados, senadores etc.), defenderão a pauta moradia no parlamento. Mas sabemos como essas coisas funcionam.

No caso de participação em movimentos com essa perspectiva, será fundamental dar combate a esse setor partidário e a essa relação de dominação entre partido e movimento. Caberá a nós, também, estimular essa forma autogestionária de construir as lutas e o próprio movimento: lutar para que haja assembleias permanentes, que a base seja estimulada e capacitada para participar, que as lideranças sejam legítimas e respondam aos interesses da base etc.

Será também fundamental promover nossa concepção revolucionária, que é a mais efetiva até mesmo para ganhos imediatos e para pressão nos governos de turno. Tentamos promover a ideia de que qualquer ganho imediato dentro do capitalismo-estatismo estará vulnerável e será retirado na primeira oportunidade que as classes dominantes conseguirem.

Lembremos que quem está desorganizado em um movimento ou não possui um programa é usado por outras forças. Reproduz as posições de outros, se torna linha auxiliar de outros, mesmo que sem saber.

Tudo isso funciona assim para esse e outros tipos de movimento. Participar e enfrentar a prática política cotidiana. Avaliar quais são os setores, as forças em jogo, como se posicionar internamente (aliados, adversários etc.) e como avançar em nosso programa. Importante mencionar que há de nossa parte um movimento duplo: trabalhadores que já estão num determinado setor (por exemplo, uma categoria profissional), que se tornam anarquistas, e trabalham para articular este setor; mas também setores que julgamos estratégicos e que deslocamos militância para o trabalho, com vistas a fazer avançar os esforços estratégicos e, também, promover o anarquismo para certa militância.

Para a OSL, qual é o sentido do anarquismo para os povos que habitam o território do Estado brasileiro?

O Brasil é um país com mais de 200 milhões de pessoas e sua composição interna é complexa e diversa. Se entendermos “povo” não no sentido liberal-burguês (como totalidade dessa população), mas da maneira classista, como muitos anarquistas o fizeram na história, podemos dizer, de acordo com uma análise que elaboramos há algum tempo, que as classes oprimidas brasileiras possuem uma diversidade importante.

Atualmente, há uma maioria de proletários urbanos e rurais (75% da população), mas com condições de trabalho e de vida muito diversas entre si: trabalhadores assalariados, autônomos, precarizados; setor privado, público e outros, vivendo na cidade e nos campos etc. Há também um contingente importante de camponeses e povos tradicionais (10% da população), que também é diverso: pequenos proprietários, rendeiros e posseiros, indígenas, quilombolas, ribeirinhos etc. Há, enfim, uma quantidade menor de pessoas completamente marginalizadas (2% da população), que incluem aqueles em situação análoga à escravidão, presidiários, moradores de rua etc. Essa situação de classe é profundamente atravessada por questões de raça, gênero, etnia e sexualidade.

Ou seja, no Brasil, precisamos dar conta dessa realidade complexa e profundamente diversa dos povos ou classes oprimidas. O desafio que temos que enfrentar é que essas classes, na maioria dos casos, estão desmobilizadas. E, quando mobilizadas, estão atravessadas por inúmeras questões e engajadas em lutas setoriais, parciais etc. Há maneiras equivocadas de lidar com essa situação, que vêm sendo adotadas por setores da esquerda. Podemos dar alguns exemplos.

1.) Eleger de antemão um setor supostamente revolucionário, seja o proletariado urbano industrial, por sua posição no modo de produção, ou os marginalizados, porque não têm nada a perder; isso limita severamente a força social de nosso projeto. 2.) Mobilizar setores diversos com bandeiras de luta variadas, por meio de inúmeros movimentos isolados que não possuem nada que os unifique, e que quando trabalham em torno de questões que extrapolam classe, o fazem desde uma perspectiva policlassista; isso reforça a fragmentação e reduz muito o potencial transformador dessas lutas. 3.) Trabalhar com um classismo reducionista, deixando para outro momento ou desconsiderando questões como raça e gênero e entendendo que, de algum modo, é possível mobilizar trabalhadores no Brasil sem dar conta dessas questões; isso complica nossa capacidade de mobilização e engajamento.

Entendemos que é necessário fugir dos modelos estatistas homogeneizadores, e, ao mesmo tempo, garantir certas posições capazes de dar unidade a essa diversidade. Ou seja, precisamos, por um lado, romper com o apagamento ou silenciamento de certas classes e frações de classe, assim como de suas lutas e reivindicações. Para nós, o federalismo autogestionário é um modelo de organização que pode subsidiar a construção de uma frente de classes oprimidas, abarcando toda sua diversidade. Mas, por outro lado, também precisamos romper com o isolamento, reconstruir o tecido social e, especialmente, unificar diferentes lutas numa perspectiva transformadora, de maneira que sirvam para a construção do socialismo libertário que almejamos.

São essas as razões de defendermos um feminismo e um antirracismo que são, ao mesmo tempo, libertários, classistas, revolucionários e internacionalistas. Esses são elementos fundamentais de nosso projeto autogestionário de poder popular.

Como a OSL se relaciona com os movimentos sociais e populares? Em que lutas a organização possui atuação?

Antes de mencionar os setores e as lutas em que temos presença, acreditamos que é importante retomar, em linhas gerais, nossa estratégia de tempo restrito, que foi mencionada anteriormente. Essa estratégia de certa amplitude vem pautando todos os nossos trabalhos sociais particulares em diferentes movimentos.

Partimos de nossa leitura da realidade, que constata estar havendo, nos últimos anos, um avanço considerável do neoliberalismo. O que tem implicado duros ataques às poucas medidas de bem-estar que existiam, por meio de “reformas” (ataque/retirada de direitos) em áreas como trabalho, previdência etc. E também uma pressão maior das classes dominantes sobre as classes oprimidas.

A extrema direita vem crescendo, dentre outras coisas, porque se alinhou a essa visão radicalizada de neoliberalismo e, com isso, atraiu parte importante dos interesses do grande capital. E, também, por um discurso abstratamente antissistêmico (“contra tudo o que está aí”), que mobiliza uma base popular, ela mesma vítima desse processo de fortalecimento do neoliberalismo. A “resposta” que tem sido oferecida pelo campo socialdemocrata/social-liberal (petismo e campo democrático popular) aposta na conciliação de classes e num deslocamento para o centro do espectro político, com o interesse de defender o “Estado Democrático de Direito”, as “instituições” etc. E isso tem desgastado ainda mais o seu já moderadíssimo e combalido projeto político.

Frente a essa conjuntura de médio prazo, elaboramos uma estratégia de tempo restrito (entre as táticas e a estratégia geral). Ela propõe construir/fortalecer uma esquerda radical e combativa, à esquerda do petismo, e que priorize tanto as críticas e análises anticapitalistas e revolucionárias, quanto os conflitos e enfrentamentos de classe. Isso obviamente exige alianças com outros setores e nos coloca no papel de oposição de esquerda ao projeto democrático-popular. Ainda que esse campo (radical, anticapitalista, revolucionário) sempre tenha existido no Brasil, nas últimas décadas de hegemonia petista na esquerda, ele se enfraqueceu mais do que em outros tempos. Hoje, ele é muito minoritário na sociedade brasileira, seja na esquerda que está no Estado, seja na esquerda que está fora dele.

Essa estratégia também propõe, ao mesmo tempo, disputar a linha desse campo, reforçando elementos de nosso programa como a ação direta, a independência e a consciência de classe, e apontando a necessidade de avançar num projeto de poder popular autogestionário. Isso mostra um pouco que, no médio prazo, nosso objetivo é retomar o vetor social do anarquismo, uma linha e uma influência de massas; ou seja, tornar o anarquismo uma força considerável entre os trabalhadores brasileiros.

Levando em conta que a OSL é uma organização de trabalhadores (anarquistas), que esses trabalhadores estão envolvidos em distintos setores, movimentos e lutas das classes oprimidas, e que o trabalho social (de base, de massas) está no centro das nossas prioridades estratégicas, toda a militância da organização contribui cotidianamente para promover essas linhas nas frentes sindical, comunitária/agrária e estudantil. Em termos geográficos, nossa presença em movimentos e lutas nesses setores acompanham nossa presença nacional, conforme mencionado anteriormente. Temos maior presença nas regiões sudeste e centro-oeste do país (em função de nossa constituição como organização) e estamos avançando aos poucos para o sul, o nordeste e o norte.

No setor sindical, temos nos aliando a esses setores mais radicalizados. Temos combatido o sindicalismo de direita, como a Força Sindical, e também o peleguismo da CUT, da CTB etc. Realizamos permanentemente trabalho de base em nossas categorias, articulando, mobilizando, estimulando as perspectivas de organização, luta e mobilização. Isso é feito em quatro circunstâncias diferentes. 1.) Em alguns casos, atuamos como oposição (quando não estamos na direção, por perder ou não disputar eleições sindicais majoritárias); 2.) Em outros casos, atuamos como situação (quando fazemos parte da direção, por vencer as eleições sindicais majoritárias); 3.) Há ainda os casos em que atuamos com presença proporcional na direção (quando o sindicato não tem eleições majoritárias, mas proporcionais, e abarca em sua direção todas as forças políticas do sindicato); 4.) Finalmente, nos casos em que há muita repressão para a organização dos trabalhadores, optamos pelo sindicalismo clandestino, articulado fora da estrutura oficial do sindicato.

Nossos trabalhos sindicais têm se concentrado num conjunto de setores e categorias que incluem: educação pública e privada (trabalhadores e professores); previdência, saúde e assistência social; transportes; serviços; jornalismo; pesquisa e tecnologia. Ainda que não tenhamos militância orgânica, possuímos contatos próximos e laços de solidariedade com trabalhadores do setor industrial, como os metalúrgicos. E, recentemente, tivemos uma participação junto a luta de trabalhadores uberizados (entregadores e Ubers). Nossa atuação envolve trabalhadores formais, terceirizados, quarteirizados e precarizados em geral.

No setor comunitário, os trabalhos são um pouco mais difusos e se distribuem em diferentes movimentos urbanos e periféricos, cuja atividade se dá principalmente em torno da organização de bairros/regiões e das lutas por moradia (ocupações de terrenos e edifícios, lutas contra despejos e pelo acesso a serviços etc.). Em alguns casos, participamos de movimentos já existentes, com linhas políticas e estratégicas variadas (algumas vezes compomos a força majoritária e em outras somos minoritários), e em outros construímos nós mesmos os movimentos, tendo maior influência nas linhas, como no caso do Movimento de Organização de Base (MOB) em certas localidades.

Temos também trabalho no campo, com movimentos e lutas rurais, de trabalhadores, camponeses e povos originários. Entre trabalhadores e camponeses temos participado de movimentos com bandeiras que incluem lutas contra o agronegócio e o latifúndio; por acesso à terra e condições de permanência no campo; reforma agrária radical e produção agroecológica de alimentos. Em função de uma existência mais restrita de movimentos rurais, e também graças a contextos muitas vezes marcados por violência e repressão, temos participado de movimentos mais amplos, com abrangência nacional, mas que estão sob hegemonia do petismo, tais Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Nesse caso, nossa opção é pela construção de uma posição alternativa dentro dos próprios movimentos, nos quais, em alguns casos, só compomos a base e, em outros, temos posições nas estruturas.

No movimento indígena, temos presença em algumas aldeias, entre certos povos e em algumas articulações regionais e nacionais. Temos contribuído com a reorganização que o movimento vivenciou no último período e buscado romper com as posições que se restringem ao assistencialismo e à atuação institucional. Certos setores do movimento já possuem uma cultura de autonomia e resistência, que se aproxima de nossas linhas, e isso facilita bastante o trabalho.

Os trabalhos rurais têm permitido conectar mais diretamente a luta de classes com outras questões. Por exemplo, nos litorais, nosso trabalho entre os indígenas articulado a outras frentes tem tomado como ponto fundamental a proteção da mata atlântica brasileira, de maneira que esse trabalho ganha, ao mesmo tempo, uma perspectiva ecológica. O trabalho com camponeses e pequenos produtores do campo tem permitido encampar reivindicações como soberania alimentar, o fim dos agrotóxicos na produção de alimentos, a necessidade de preservação do solo etc.; e isso também adiciona outros elementos relevantes em nossas lutas.

No setor estudantil e de juventude, temos presença em universidades públicas e privadas, e também entre jovens das periferias que estão (ou não) na escola e/ou não foram para a faculdade. Em certos casos atuamos em movimentos e tendências que foram construídos por nós, e em outros casos integramos movimentos mais amplos, tentando priorizar aqueles que possuem maior afinidade com a esquerda radical. Nas universidades, temos defendido a educação pública sob controle dos trabalhadores, a permanência estudantil e combatido a influência neoliberal e privatizante. Nas periferias atuamos com a juventude, principalmente organizando bairros periféricos a partir de atividades culturais, que envolvem capoeira, música, eventos etc., e buscando avançar para a construção de lutas mais diretas, por moradia por exemplo, e para a organização de base por meio de assembleias populares regulares que tratam de questões locais e da conjuntura nacional.

Importante mencionar aqui que optamos em não ter frentes dedicadas exclusivamente às questões de gênero/sexualidade e raça/etnia. por avaliarmos que essas questões atravessam todas as frentes e devem ser tocadas por toda militância em todos lugares que estamos inseridos. Assim, todos os militantes – sindicais ou estudantis, por exemplo – são também militantes das questões de gênero/sexualidade e raça/etnia em seus locais de trabalho ou estudo.

Se colocássemos mulheres, LGBT+s, negros, indígenas etc. trabalhando apenas com essas questões, isso, por um lado, faria com que os trabalhos sindicais, comunitários/agrários e estudantis ficassem restritos a uma maioria de homens, brancos etc.; por outro, isso estimularia uma visão que são apenas mulheres que devem promover o feminismo, negros o antirracismo etc. Se colocássemos essa companheirada (mulheres, negros, LGBT+s etc.) também para participar das frentes sindical, comunitária etc., isso a sobrecarregaria. Seria a realização de dois trabalhos, enquanto quem não pertence a esses setores sociais historicamente oprimidos teria apenas um.

Buscando evitar esses problemas, nossa linha nas questões de gênero, sexualidade, raça e etnia é que elas sejam promovidas permanentemente em todas as nossas frentes e em todos os nossos trabalhos: dentro dos locais de trabalho, dos bairros, dos assentamentos, das universidades etc. Obviamente, isso não exclui a existência de espaços exclusivos convocados quando há necessidade para tratar de determinadas questões que demandam esse tipo de instância. Contamos na OSL com uma secretaria encarregada dessas questões e que pauta não apenas a organização, em nível político, mas contribui para a elaboração de linhas que subsidiem o trabalho social nas frentes. Essa linha também contribui com nosso envolvimento em outras mobilizações, nacionais e internacionais, como a luta em defesa da Palestina.

Por último, é importante falar que, na verdade, essa divisão ou separação em frentes que utilizamos serve apenas como solução organizativa para articular os trabalhos. Ou seja, entendemos que há apenas um conjunto de classes oprimidas para ser organizado, independente onde ela esteja. Por isso, não vemos os diferentes setores, movimentos e lutas como concorrentes entre si, e nem os tomamos isoladamente. Eles sempre podem se relacionar e confluir – algo que estimulamos permanentemente. Como colocamos, esse é um aspecto destacado de nosso projeto de poder. Temos que ter atenção para as especificidades locais, mas sem deixar de fazer com que esses diferentes esforços apontem para um movimento amplo, uma frente de classes oprimidas, um projeto de poder autogestionário.