49 anos do golpe militar na Argentina: Memória e Luta!

Em 24 de março de 1976, um golpe militar apoiado por amplos setores das classes dominantes, derrubou a presidenta María Estela Martínez de Perón, inaugurando a ditadura civil-militar argentina, que iria durar até 1983. O golpe era parte de uma reação das classes dominantes na América Latina, fortemente apoiada pelo imperialismo estadunidense e que instalou ditaduras militares no Paraguai (1954-1989), Equador (1963-1966 e 1972-1979), Brasil (1964-1985), Bolívia (1964-1978), Chile (1973-1990) e Uruguai (1973-1985). Sob o pretexto de combater a "subversão" na Argentina, a Junta Militar liderada por Jorge Rafael Videla instaurou um regime pautado no Terrorismo de Estado. Foram instalados 364 centros clandestinos de detenção. Os movimentos de familiares de vítimas estimam em mais de 30 mil mortos e desaparecidos. A repressão, financiada e apoiada pelos EUA, e articulada na América do Sul por meio do Plano Condor, visou não apenas guerrilheiros, mas também sindicalistas, estudantes, intelectuais e qualquer voz crítica, sobretudo das classes oprimidas.

O povo argentino respondeu com forte mobilização em sindicatos e movimentos populares, assim como ações avançadas realizadas pelas organizações de luta armada, como os Montoneros, o Exército Revolucionário do Povo (ERP) e as Forças Armadas Revolucionárias (FAR). Organizações de defesa dos direitos humanos e de denúncias das torturas e dos desaparecimentos também foram fundamentais, como as Mães e Avós da Praça de Maio, que desafiaram o silêncio imposto pela ditadura, exigindo respostas sobre o paradeiro de seus familiares. O anarquismo esteve modestamente presente em todas essas dimensões da luta política contra a ditadura e cumpriu um papel importante na resistência contra o regime, seja na inserção em sindicatos e movimentos de massa ou na presença ativa na denúncia dos desaparecimentos e em organizações clandestinas. A "Doutrina de Segurança Nacional" justificou a perseguição a "inimigos internos", com métodos como sequestros e tortura, além dos assassinatos e desaparecimentos de milhares de militantes sociais e revolucionários, instrumentalizados pela Escola das Américas. A aliança com elites locais e a "Triple A" (grupo paramilitar) ampliou o alcance da repressão e tornou a Argentina um centro de extermínio de valorosos militantes e políticos de diferentes correntes e tendências, deixando uma herança de aumento da desigualdade social, desmantelamento da indústria do país e fortalecimento dos aparatos repressivos.

A resistência anarquista na luta contra a ditadura argentina

O anarquismo, longe de ter desaparecido na Argentina com o advento do peronismo, permaneceu atuante no país nas décadas de 1940 e 1950, com a ação da Federação Anarco-Comunista Argentina (FACA) e da Federação Operária Regional Argentina (FORA), esta última de matriz anarcossindicalista. O anarquismo esteve presente na vida sindical das categorias dos trabalhadores da madeira, encanadores, trabalhadores da construção civil, estivadores, motoristas, padeiros e a Federação de Construções Navais. Esta federação, com forte presença anarquista, protagonizou a mais longa greve do século XX na Argentina, no ano de 1956. Destaca-se também a contribuição do anarquista espanhol Abraham Guillén às primeiras experiências da luta armada no país. Veterano da Revolução Espanhola, com grande experiência política e militar, Guillén ajudou na formação política e técnica da primeira experiência da luta armada argentina, os Uturuncos, que no final da década de 1950 protagonizaram ações em Tucumán e Santiago del Estero.

Destaca-se ainda a participação anarquista nos levantes operários e estudantis da década de 1960, especialmente nas províncias de Córdoba e Rosário. O Cordobazo e o Rosariazo uniram as forças do sindicalismo combativo com as do movimento estudantil, com paralisações de trabalhadores vinculadas a batalhas de rua contra as forças da repressão. Foi nesse contexto de renovação ideológica, unidade das classes oprimidas e necessidade de acúmulo contra as forças da repressão, que diferentes agrupamentos anarquistas decidem se fundir, formando uma organização política anarquista que ganhou o nome de Resistência Libertária (RL).

A RL nasce com inserção em espaços sindicais, estudantis e comunitários e se estrutura como uma organização de quadros ou um partido libertário, como os militantes chamavam internamente. Atuando dentro dos movimentos de massa, a partir de uma linha política socialista e libertária, com forte democracia interna, mas mantendo os critérios de segurança necessários para atuar, a organização tinha inserção nas categorias dos trabalhadores da madeira, da educação, borracha, gráficos, têxteis, encanadores e estaleiros. Teve atuação em La Plata, Buenos Aires, Ensenada, Tigre, Córdoba e Buenos Aires e chegou a desenvolver diferentes formas e ferramentas de ação direta, demonstrando que é possível operar em contextos ora mais democráticos, ora mais repressivos.

A Resistência Libertária deixou um importante aprendizado político para o anarquismo latino-americano. Superando o sectarismo, o dogmatismo, o purismo ideológico e o isolamento da ideologia em seu próprio quintal, traduziu seus anseios em práticas políticas concretas, fazendo avançar a resistência das classes oprimidas e pagando um alto preço por sua firme convicção.

Com o golpe de 1976, a repressão atingiu seu auge, desbaratando com tortura, prisões e assassinatos a resistência das classes oprimidas no país e destruindo inúmeras organizações da esquerda revolucionária. A Resistência Libertária teve dezenas de militantes desaparecidos e se dissolveu frente à forte repressão militar do período.

A redemocratização e a luta pela memória

Após a derrota na Guerra das Malvinas (1982), a pressão popular levou à redemocratização em 1983 e à criação da CONADEP, responsável pelo relatório "Nunca Más", e foram iniciados julgamentos contra os militares responsáveis pelo golpe e a ditadura. Apesar de leis de impunidade (Ponto Final, 1986), a reabertura de processos sob o governo de Néstor Kirchner (2003) permitiu condenações históricas, incluindo a do general e ditador Jorge Rafael Videla. Até 2017, mais de 1.100 repressores foram julgados.

Em 2024, o governo de Javier Milei e Victoria Villarruel nega os 30 mil mortos e desaparecidos e ataca políticas de memória. Na maior marcha dos últimos 40 anos, organizações como as Avós da Praça de Maio e HIJOS reafirmaram o compromisso com a memória.

A resistência argentina é um legado das lutas das classes oprimidas. Em um contexto de revisionismo histórico em todo o mundo, manter viva a memória dos crimes da ditadura é urgente. Também é dever dos anarquistas recordar seus mártires e militantes, caídos diante da sanha terrorista do Estado e dos patrões.

Recordamos aqui a memória desses 12 militantes anarquistas, desaparecidos pelas forças repressivas da infame ditadura militar argentina e que em nossa memória, vivem e viverão! Por sua compartimentação em células, ainda hoje não sabemos a quantidade exata de militantes da RL que caíram durante a ditadura militar, mas honramos esses 12 nomes, como expressão da luta do anarquismo de massas latino-americano.

Rita Artabe (La Turca), Edison Oscar Cantero Freire (Melena), Fernando Díaz Cárdenas (Pata), Elsa Martínez de Ramírez (Elsa), Elvio Mellino (Yogurt), Raúl Olivera Cancela (el Flaco), Hernán Ramírez Achinelli (Pelado), Marcelo Tello (Negro), Pablo Tello (Bigote), Rafael Tello (El Rata), Luis Esteban Matsuyama (El Chino), Patricia Olivier (Pastilla), Alfredo Moyano, Maria Victoria Artigas, PRESENTE, PRESENTE, PRESENTE. HOJE E SEMPRE!

Organização Socialista Libertária
Março de 2025